Nº46 - JULHO DE 2017

Ponto de Vista

Dennis de Oliveira defende maior presença de homens e mulheres negras nas redações

Foto: Revista Fórum
 
 
O Informativo Socicom conversou com Dennis de Oliveira, jornalista, professor de Jornalismo há 27 anos. Dennis começou lecionando na Universidade Metodista de Piracicaba e há 14 anos está no Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA/USP, onde é atualmente chefe de Departamento. Formado em jornalismo em 1986, jornalista, exerceu a profissão até 2002, em revistas de artes, e também como assessor de imprensa junto aos movimentos sociais, em sindicatos e, especialmente em movimentos da área de direitos humanos e junto ao movimento negro. Tem mestrado e doutorado pela ECA/USP, tendo como temática a imprensa sindical, a questão operária, sendo o doutorado voltado para pensar a comunicação sindical e as mudanças no mundo do trabalho com a Globalização. Recentemente lançou livro baseado em sua livre-docência, defendida em 2014, “Jornalismo e Emancipação”, para pensar uma prática jornalística baseada nos conceitos de Paulo Freire. A entrevista foi concedida a vice-presidente da Socicom, Claudia Lago.
 
Dennis, desde o início e cada vez mais, tua atuação teórica e prática está relacionada aos direitos humanos. Como você iniciou esta trajetória?
 
Eu estou no movimento negro desde 90. Em 90 eu ajudei a fundar uma organização chamada União de Negros Pela Igualdade, aqui em São Paulo. Essa organização já existia em Salvador, então junto com colegas meus, um deles é o Juarez, que é professor da Unesp-Bauru, outro, o Edson Roberto, que é professor da Unicid, sociólogo, formado pela PUC, fundamos essa entidade. Fiquei nela até 2005, mas tinha uma divergência por conta de uma certa partidarização da entidade. Aí eu saí dessa entidade e em 2013, junto com alguns jovens, alunos meus, outros, a gente montou uma organização chamada Rede Quilombação. Que é uma rede de coletivos e que existe hoje em São Paulo, em Salvador, Porto Alegre em La Paz, na Bolívia, e em Bogotá na Colômbia. E tem algumas pessoas ali também em Austin, nos Estados Unidos, no Texas.
 
A Quilombação então é uma junção de trabalho teórico e de prática, certo?
 
Exatamente. É. Tem questão teórica que a gente discute aqui na universidade, que também é prática. No sentido da gente discutir identidade racial, discutir, fundamentalmente, o que a gente discute no Quilombação, isto é, os mecanismos que vão desestruturando as identidades raciais e periféricas, e como há uma resistência a isso, a partir da construção de mecanismos de comunicação alternativa, basicamente utilizando as redes sociais. Então é isso que tem se trabalhado no Quilombação.
 
E como que você vê o campo da Comunicação hoje, em relação a essa questão que pra você é tão cara?
 
Aí tem vários problemas. A primeira é que o Brasil, historicamente tem o tal do mito da democracia racial, que acaba criando um apagamento, uma invisibilidade à temática racial. Mesmo em 1995, que é um ano muito importante, porque foi pela primeira vez que um chefe de Estado, que era na época o Fernando Henrique Cardoso, reconhece a existência do Racismo no Brasil, oficialmente. Em 1995, quando celebra os trezentos anos do Zumbi dos Palmares, e o Movimento Negro organiza uma marcha a Brasília. Eu estava, fazia parte dessa marcha, organizava essa marcha. Fomos recebidos lá em Brasília pelo FHC. Ele recebe a marcha, a gente entrega um documento, uma série de reivindicações e num ato, ele reconhece as reivindicações e nomeia um grupo de trabalho interministerial. Um GTI, que é pra pensar políticas de reparação, de ação afirmativa, de tudo isso. E a partir disso, então, em vários fóruns internacionais, o FHC começa a dizer que o Brasil tem uma dívida em resolver a questão racial no Brasil. Inclusive, na preparação do Brasil para Conferência Internacional de Combate ao Racismo em Durban, que vai ser realizada em 2001, na construção do documento brasileiro, ele chama as organizações do Movimento Negro para construir o documento conjuntamente. E o documento que o Brasil apresenta, o documento oficial em 2001, é muito próximo das perspectivas das reivindicações que o movimento tinha. E aí em 2003, com a eleição do Lula, houve um outro avanço, que foi a construção dos espaços institucionais para gerenciar ações políticas. Então em 2003, você tem, primeiramente, a aprovação da lei 10.6939, que torna obrigatório o ensino de História da África e Cultura Afro-Brasileira na Educação, básica e superior. Mais tarde, {temos} a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, e tudo isso aí vai ser gerenciado por órgãos específicos, como a Secretaria de Igualdade Racial, com status de ministério, a Seppir (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial).
 
E no caso do Campo da Comunicação, especificamente, como você percebe a questão da temática étnico-racial?
 
O problema que nós temos na Comunicação é a necessidade de romper com o mito da democracia racial. Que teve alguns avanços, mas ainda permanece. Então, por exemplo: ainda há uma pequena presença de homens negros e mulheres negras nas redações. Tanto na própria visibilidade, em cada jornal, nas bancadas, mas fundamentalmente na produção de conteúdo. Que vai acontecer então? Uma série de eventos e situações. Que a temática racial está presente, como por exemplo, as ações de violência, o próprio caso agora recente aí da remoção da Cracolândia, do prefeito João Dória, a violência social, tudo isso, em que a temática racial está presente. Você percebe que essas questões de raça e gênero, não são refletidas nas coberturas. O que a gente observa aqui, é o racismo ser tratado quando são casos fora o Brasil, se é racismo, por exemplo, em casos nos Estados Unidos, ou meramente um caso comportamental em jogos de futebol na Europa. Agora, esse racismo estrutural que é cotidiano, acontece em várias ações, isso é raramente é tocado na mídia, comentado na mídia brasileira. 
 
E no caso das pesquisas de Comunicação, como que você vê essa preocupação, esse enfoque das questões étnico-raciais?
 
Ela aumentou bastante nos últimos tempos, primeiramente pela presença maior de negros e negras nas universidades, pois as cotas raciais possibilitaram isso. Esse enfoque maior da temática racial, que por conta dos avanços do Movimento Negro, motivou essa discussão. Nós vimos aí um marco importante na pesquisa, que é o trabalho do Joelzito Araújo, que faz uma análise da pequena presença de negros e negras nas telenovelas. Então boa parte das pesquisas caminha nessa idéia da pequena presença. Hoje já tem uma mudança, verificamos que se discute não só a pequena presença, mas em que situações ele aparece. Há pequena presença, mas também nos momentos em que ela aparece tem alguns estigmas, alguns estereótipos, alguns valores, que estão presentes. Que não são apenas aqueles valores que comumente denunciávamos nos anos 1980. Por exemplo, o homem negro e a mulher negra aparecem apenas como subalternos, como bandido, etc. {Hoje} ele até aparece em situações fora desse paradigma, desse estereótipo, na ficção televisiva, nas novelas. Temos ali personagens negros, personagens negras, presentes que até sofrem, em alguns casos, de preconceito racial, mas isso é sempre visto meramente como comportamento individual desviante, da pessoa ignorante ou intolerante, e não como um produto de uma estrutura social que é recorrente. 
 
O encontro da SBPJor, o 15.o Encontro de Pesquisadores em Jornalismo vai ser realizado pela USP com a temática Direitos Humanos na Pesquisa em Jornalismo! Foi uma temática sugerida pelo departamento. Como você vê esse movimento?
 
É muito importante isso. Temos vivido nos últimos tempos um certo ceticismo no debate político, no debate das idéias, como se tudo tivesse acabado, um certo moralismo exacerbado na cobertura midiática de alguns assuntos. E por conta disso temáticas como essa acabam sendo colocadas em segundo plano. Em alguns momentos eu vejo que há até uma certa naturalização de processos de opressão. Por exemplo, como se situações de desrespeito aos direitos humanos, que acontecem desde em casos internacionais, como por exemplo, guerras civis, opressões em países africanos, Oriente Médio, ou até mesmo em casos locais, como o caso da Cracolândia, dão a impressão de que não há o que fazer. Única forma de você tocar as coisas é assim mesmo ou, no limite, essas coisas são só um exagero... E não se pensa, por exemplo, de que forma as instituições, políticas, econômicas, sociais, elas reproduzem esse comportamento, de que forma, por exemplo, pode-se pensar uma reformulação das instituições, das próprias estruturas democráticas que nós vivemos, para que os direitos humanos sejam contemplados. O Jornalismo, para mim, tem um papel fundamental para isso! Primeiro é preciso de fato resgatar o Jornalismo, como historicamente ele é, uma narrativa que é voltada para a construção da democracia, das liberdades civis, etc. Segundo para que o Jornalismo, ante essa inflação de informação que circula nas redes sociais, que muitas vezes é permeada pela total intolerância, xenofobia, racismo, em desobediência às normas de direitos humanos, ele tem que se singularizar em relação a isso. Terceiro, é necessário na sociedade não só pensar, mas criar mecanismos que pautem as relações sociais, a partir de normas de direitos humanos. O Encontro da SBPJor então é muito importante para refletir e chamar a atenção disso, e mais ainda: servirá para mostrar a contribuição que a academia tem para isso, para que o Jornalismo recupere o seu papel de fomentador da democracia. O Encontro vai ser importante para atualizar nossas reflexões teóricas, conceituais. O Jornalismo, ao contrário do que se pensa, é fundamental para a sociedade. Não acabou, não morreu nada, pelo contrário, essa inflação de informação o torna mais importante ainda, pois Jornalismo é uma informação qualificada, uma informação que tem parâmetros éticos, normativos, estéticos. É muito importante que nós, que pesquisamos Jornalismo, discutamos isso.  
 
 
O Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA-USP comemora 50 anos de existência. Como que você vê o papel do departamento, na formação de jornalistas e da pesquisa em Jornalismo no Brasil?
 
Nós temos uma perspectiva do departamento de formar pessoas que aprendam Jornalismo, não [só] a fazer jornal. Há uma pressão muito forte, até por parte do mercado profissional, para que formemos profissionais que sabem as técnicas jornalísticas. Isso é muito importante,  formatar um jornal, saber diagramar, saber o texto, etc. Mas nós entendemos que Jornalismo é muito mais do que isso. Jornalismo é um tipo de narrativa, é um tipo de ação cultural, que é pautada pelo compartilhamento de mediaticidades, como diz o Adelmo Genro Filho. Esse compartilhamento, de mediaticidades está fulcrado na defesa dos valores democráticos e dos direitos humanos. É esse perfil que nós trabalhamos independente da plataforma. Jornalismo é Jornalismo, seja no rádio, televisão, internet, onde for.  Ele se pauta por uma estética, por uma metódica, por uma ética próprias é isso que distingue o Jornalismo. O nosso curso tem buscado trabalhar com isso. Um dado interessante do nosso curso, nós reafirmamos isso recentemente,  é que ele inicia a produção laboratorial do Jornalismo, dos alunos, com jornal comunitário, da comunidade São Remo. Isso não é à toa, isso faz parte do nosso projeto, aprender Jornalismo, aprendendo a escrever, pautar, captar, para uma população que é excluída da sociedade. Essa é a idéia que temos tem de trabalhar. A partir dessa reflexão sobre a experiência, [o aluno] começa construindo os parâmetros teóricos e técnicos do Jornalismo, que vai desenvolver nos próximos laboratórios. O curso tem essas práticas didáticas que têm um caráter extensionista. Nesse sentido em toda atividade que a gente realiza aqui essa questão ética, dos compromissos éticos, está presente. Há uma oficina de ética, mas não é só isso. Toda produção do telejornal, as produções laboratoriais, a própria produção teórica, todas elas, tem a questão ética como transversal. Isso é muito importante e por isso que a temática dos direitos humanos casa com a nossa proposta de curso. 
 
Na condição de jornalista e militante como você está vendo o Brasil hoje?
 
Eu acho que se esgotou um ciclo, da Nova República, daquela estrutura que se constituiu em 1985. A negociação, que pôs fim ao Regime Militar e construiu a base dos partidos atuais que estão em disputa. E é necessária uma reformulação geral. O problema que nós temos hoje, é não há forças políticas hegemônicas que consigam puxar isso. E cada vez mais as forças políticas, cada uma delas no seu espectro político, estão pensando na própria sobrevivência. Então nós não temos uma discussão de um projeto de país. Que país que a gente quer construir, para onde quer ir, que tipo de posicionamento nós vamos ter em relação ao cenário internacional? Esse debate está ausente! Um projeto de país, que mais que a gente quer, quais são as demandas mais imediatas da sociedade brasileira, quais mecanismos, de modificação são necessários serem realizados. Esse debate nós não realizamos, infelizmente, o que nos dá uma certa angústia, não observamos esse debate ser pautado. E também lamento muito que a própria mídia impressa tenha feito isso. Ela tenha corrido atrás do que tem acontecido. A crise que acometeu o Jornalismo nos últimos anos acabou forçando boa parte das empresas jornalísticas a enxugarem as redações e por conta disso tem pouco espaço, pouca margem de manobra, ou poucos recursos materiais e humanos para, por exemplo, praticar um jornalismo investigativo, para você praticar um jornalismo opinativo mas com argumentos, não ofensas ao outro lado, então há uma queda significativa da qualidade jornalística. Isso acaba reforçando esse debate na esfera pública que é bem pouco qualificado. 
 
Como você vê o papel da universidade nesse lugar de pensar um projeto de país?
 
Acho que tem que fazer isso mesmo. O problema da universidade, é que ela também está sendo esvaziada. O debate está sendo esvaziada, a universidade esta sofrendo com a situação de falta de verbas. É uma pressão muito forte, no Centro de Pesquisas, somos pressionados cada vez mais a assumir tarefas administrativas, por conta da redução da área de apoio funcional, e tem uma cobrança produtivista, acadêmica, que eu acho que é absurda, principalmente para a área de Humanas. Eu vejo que também na academia, temos patinado por conta dessa crise estrutural. Mas, por outro lado, uns dizem que no caos, saem as soluções. Pode ser (risos) nessa situação de caos, a gente pode pensar, quem sabe sai uma coisa nova? Espero que não seja um novo "à la"  Salvador da Pátria, que é perigoso, (risos).
 

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Dennis de Oliveira defende maior presença de homens e mulheres negras nas redações

Foto: Revista Fórum
 
 
O Informativo Socicom conversou com Dennis de Oliveira, jornalista, professor de Jornalismo há 27 anos. Dennis começou lecionando na Universidade Metodista de Piracicaba e há 14 anos está no Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA/USP, onde é atualmente chefe de Departamento. Formado em jornalismo em 1986, jornalista, exerceu a profissão até 2002, em revistas de artes, e também como assessor de imprensa junto aos movimentos sociais, em sindicatos e, especialmente em movimentos da área de direitos humanos e junto ao movimento negro. Tem mestrado e doutorado pela ECA/USP, tendo como temática a imprensa sindical, a questão operária, sendo o doutorado voltado para pensar a comunicação sindical e as mudanças no mundo do trabalho com a Globalização. Recentemente lançou livro baseado em sua livre-docência, defendida em 2014, “Jornalismo e Emancipação”, para pensar uma prática jornalística baseada nos conceitos de Paulo Freire. A entrevista foi concedida a vice-presidente da Socicom, Claudia Lago.
 
Dennis, desde o início e cada vez mais, tua atuação teórica e prática está relacionada aos direitos humanos. Como você iniciou esta trajetória?
 
Eu estou no movimento negro desde 90. Em 90 eu ajudei a fundar uma organização chamada União de Negros Pela Igualdade, aqui em São Paulo. Essa organização já existia em Salvador, então junto com colegas meus, um deles é o Juarez, que é professor da Unesp-Bauru, outro, o Edson Roberto, que é professor da Unicid, sociólogo, formado pela PUC, fundamos essa entidade. Fiquei nela até 2005, mas tinha uma divergência por conta de uma certa partidarização da entidade. Aí eu saí dessa entidade e em 2013, junto com alguns jovens, alunos meus, outros, a gente montou uma organização chamada Rede Quilombação. Que é uma rede de coletivos e que existe hoje em São Paulo, em Salvador, Porto Alegre em La Paz, na Bolívia, e em Bogotá na Colômbia. E tem algumas pessoas ali também em Austin, nos Estados Unidos, no Texas.
 
A Quilombação então é uma junção de trabalho teórico e de prática, certo?
 
Exatamente. É. Tem questão teórica que a gente discute aqui na universidade, que também é prática. No sentido da gente discutir identidade racial, discutir, fundamentalmente, o que a gente discute no Quilombação, isto é, os mecanismos que vão desestruturando as identidades raciais e periféricas, e como há uma resistência a isso, a partir da construção de mecanismos de comunicação alternativa, basicamente utilizando as redes sociais. Então é isso que tem se trabalhado no Quilombação.
 
E como que você vê o campo da Comunicação hoje, em relação a essa questão que pra você é tão cara?
 
Aí tem vários problemas. A primeira é que o Brasil, historicamente tem o tal do mito da democracia racial, que acaba criando um apagamento, uma invisibilidade à temática racial. Mesmo em 1995, que é um ano muito importante, porque foi pela primeira vez que um chefe de Estado, que era na época o Fernando Henrique Cardoso, reconhece a existência do Racismo no Brasil, oficialmente. Em 1995, quando celebra os trezentos anos do Zumbi dos Palmares, e o Movimento Negro organiza uma marcha a Brasília. Eu estava, fazia parte dessa marcha, organizava essa marcha. Fomos recebidos lá em Brasília pelo FHC. Ele recebe a marcha, a gente entrega um documento, uma série de reivindicações e num ato, ele reconhece as reivindicações e nomeia um grupo de trabalho interministerial. Um GTI, que é pra pensar políticas de reparação, de ação afirmativa, de tudo isso. E a partir disso, então, em vários fóruns internacionais, o FHC começa a dizer que o Brasil tem uma dívida em resolver a questão racial no Brasil. Inclusive, na preparação do Brasil para Conferência Internacional de Combate ao Racismo em Durban, que vai ser realizada em 2001, na construção do documento brasileiro, ele chama as organizações do Movimento Negro para construir o documento conjuntamente. E o documento que o Brasil apresenta, o documento oficial em 2001, é muito próximo das perspectivas das reivindicações que o movimento tinha. E aí em 2003, com a eleição do Lula, houve um outro avanço, que foi a construção dos espaços institucionais para gerenciar ações políticas. Então em 2003, você tem, primeiramente, a aprovação da lei 10.6939, que torna obrigatório o ensino de História da África e Cultura Afro-Brasileira na Educação, básica e superior. Mais tarde, {temos} a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, e tudo isso aí vai ser gerenciado por órgãos específicos, como a Secretaria de Igualdade Racial, com status de ministério, a Seppir (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial).
 
E no caso do Campo da Comunicação, especificamente, como você percebe a questão da temática étnico-racial?
 
O problema que nós temos na Comunicação é a necessidade de romper com o mito da democracia racial. Que teve alguns avanços, mas ainda permanece. Então, por exemplo: ainda há uma pequena presença de homens negros e mulheres negras nas redações. Tanto na própria visibilidade, em cada jornal, nas bancadas, mas fundamentalmente na produção de conteúdo. Que vai acontecer então? Uma série de eventos e situações. Que a temática racial está presente, como por exemplo, as ações de violência, o próprio caso agora recente aí da remoção da Cracolândia, do prefeito João Dória, a violência social, tudo isso, em que a temática racial está presente. Você percebe que essas questões de raça e gênero, não são refletidas nas coberturas. O que a gente observa aqui, é o racismo ser tratado quando são casos fora o Brasil, se é racismo, por exemplo, em casos nos Estados Unidos, ou meramente um caso comportamental em jogos de futebol na Europa. Agora, esse racismo estrutural que é cotidiano, acontece em várias ações, isso é raramente é tocado na mídia, comentado na mídia brasileira. 
 
E no caso das pesquisas de Comunicação, como que você vê essa preocupação, esse enfoque das questões étnico-raciais?
 
Ela aumentou bastante nos últimos tempos, primeiramente pela presença maior de negros e negras nas universidades, pois as cotas raciais possibilitaram isso. Esse enfoque maior da temática racial, que por conta dos avanços do Movimento Negro, motivou essa discussão. Nós vimos aí um marco importante na pesquisa, que é o trabalho do Joelzito Araújo, que faz uma análise da pequena presença de negros e negras nas telenovelas. Então boa parte das pesquisas caminha nessa idéia da pequena presença. Hoje já tem uma mudança, verificamos que se discute não só a pequena presença, mas em que situações ele aparece. Há pequena presença, mas também nos momentos em que ela aparece tem alguns estigmas, alguns estereótipos, alguns valores, que estão presentes. Que não são apenas aqueles valores que comumente denunciávamos nos anos 1980. Por exemplo, o homem negro e a mulher negra aparecem apenas como subalternos, como bandido, etc. {Hoje} ele até aparece em situações fora desse paradigma, desse estereótipo, na ficção televisiva, nas novelas. Temos ali personagens negros, personagens negras, presentes que até sofrem, em alguns casos, de preconceito racial, mas isso é sempre visto meramente como comportamento individual desviante, da pessoa ignorante ou intolerante, e não como um produto de uma estrutura social que é recorrente. 
 
O encontro da SBPJor, o 15.o Encontro de Pesquisadores em Jornalismo vai ser realizado pela USP com a temática Direitos Humanos na Pesquisa em Jornalismo! Foi uma temática sugerida pelo departamento. Como você vê esse movimento?
 
É muito importante isso. Temos vivido nos últimos tempos um certo ceticismo no debate político, no debate das idéias, como se tudo tivesse acabado, um certo moralismo exacerbado na cobertura midiática de alguns assuntos. E por conta disso temáticas como essa acabam sendo colocadas em segundo plano. Em alguns momentos eu vejo que há até uma certa naturalização de processos de opressão. Por exemplo, como se situações de desrespeito aos direitos humanos, que acontecem desde em casos internacionais, como por exemplo, guerras civis, opressões em países africanos, Oriente Médio, ou até mesmo em casos locais, como o caso da Cracolândia, dão a impressão de que não há o que fazer. Única forma de você tocar as coisas é assim mesmo ou, no limite, essas coisas são só um exagero... E não se pensa, por exemplo, de que forma as instituições, políticas, econômicas, sociais, elas reproduzem esse comportamento, de que forma, por exemplo, pode-se pensar uma reformulação das instituições, das próprias estruturas democráticas que nós vivemos, para que os direitos humanos sejam contemplados. O Jornalismo, para mim, tem um papel fundamental para isso! Primeiro é preciso de fato resgatar o Jornalismo, como historicamente ele é, uma narrativa que é voltada para a construção da democracia, das liberdades civis, etc. Segundo para que o Jornalismo, ante essa inflação de informação que circula nas redes sociais, que muitas vezes é permeada pela total intolerância, xenofobia, racismo, em desobediência às normas de direitos humanos, ele tem que se singularizar em relação a isso. Terceiro, é necessário na sociedade não só pensar, mas criar mecanismos que pautem as relações sociais, a partir de normas de direitos humanos. O Encontro da SBPJor então é muito importante para refletir e chamar a atenção disso, e mais ainda: servirá para mostrar a contribuição que a academia tem para isso, para que o Jornalismo recupere o seu papel de fomentador da democracia. O Encontro vai ser importante para atualizar nossas reflexões teóricas, conceituais. O Jornalismo, ao contrário do que se pensa, é fundamental para a sociedade. Não acabou, não morreu nada, pelo contrário, essa inflação de informação o torna mais importante ainda, pois Jornalismo é uma informação qualificada, uma informação que tem parâmetros éticos, normativos, estéticos. É muito importante que nós, que pesquisamos Jornalismo, discutamos isso.  
 
 
O Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA-USP comemora 50 anos de existência. Como que você vê o papel do departamento, na formação de jornalistas e da pesquisa em Jornalismo no Brasil?
 
Nós temos uma perspectiva do departamento de formar pessoas que aprendam Jornalismo, não [só] a fazer jornal. Há uma pressão muito forte, até por parte do mercado profissional, para que formemos profissionais que sabem as técnicas jornalísticas. Isso é muito importante,  formatar um jornal, saber diagramar, saber o texto, etc. Mas nós entendemos que Jornalismo é muito mais do que isso. Jornalismo é um tipo de narrativa, é um tipo de ação cultural, que é pautada pelo compartilhamento de mediaticidades, como diz o Adelmo Genro Filho. Esse compartilhamento, de mediaticidades está fulcrado na defesa dos valores democráticos e dos direitos humanos. É esse perfil que nós trabalhamos independente da plataforma. Jornalismo é Jornalismo, seja no rádio, televisão, internet, onde for.  Ele se pauta por uma estética, por uma metódica, por uma ética próprias é isso que distingue o Jornalismo. O nosso curso tem buscado trabalhar com isso. Um dado interessante do nosso curso, nós reafirmamos isso recentemente,  é que ele inicia a produção laboratorial do Jornalismo, dos alunos, com jornal comunitário, da comunidade São Remo. Isso não é à toa, isso faz parte do nosso projeto, aprender Jornalismo, aprendendo a escrever, pautar, captar, para uma população que é excluída da sociedade. Essa é a idéia que temos tem de trabalhar. A partir dessa reflexão sobre a experiência, [o aluno] começa construindo os parâmetros teóricos e técnicos do Jornalismo, que vai desenvolver nos próximos laboratórios. O curso tem essas práticas didáticas que têm um caráter extensionista. Nesse sentido em toda atividade que a gente realiza aqui essa questão ética, dos compromissos éticos, está presente. Há uma oficina de ética, mas não é só isso. Toda produção do telejornal, as produções laboratoriais, a própria produção teórica, todas elas, tem a questão ética como transversal. Isso é muito importante e por isso que a temática dos direitos humanos casa com a nossa proposta de curso. 
 
Na condição de jornalista e militante como você está vendo o Brasil hoje?
 
Eu acho que se esgotou um ciclo, da Nova República, daquela estrutura que se constituiu em 1985. A negociação, que pôs fim ao Regime Militar e construiu a base dos partidos atuais que estão em disputa. E é necessária uma reformulação geral. O problema que nós temos hoje, é não há forças políticas hegemônicas que consigam puxar isso. E cada vez mais as forças políticas, cada uma delas no seu espectro político, estão pensando na própria sobrevivência. Então nós não temos uma discussão de um projeto de país. Que país que a gente quer construir, para onde quer ir, que tipo de posicionamento nós vamos ter em relação ao cenário internacional? Esse debate está ausente! Um projeto de país, que mais que a gente quer, quais são as demandas mais imediatas da sociedade brasileira, quais mecanismos, de modificação são necessários serem realizados. Esse debate nós não realizamos, infelizmente, o que nos dá uma certa angústia, não observamos esse debate ser pautado. E também lamento muito que a própria mídia impressa tenha feito isso. Ela tenha corrido atrás do que tem acontecido. A crise que acometeu o Jornalismo nos últimos anos acabou forçando boa parte das empresas jornalísticas a enxugarem as redações e por conta disso tem pouco espaço, pouca margem de manobra, ou poucos recursos materiais e humanos para, por exemplo, praticar um jornalismo investigativo, para você praticar um jornalismo opinativo mas com argumentos, não ofensas ao outro lado, então há uma queda significativa da qualidade jornalística. Isso acaba reforçando esse debate na esfera pública que é bem pouco qualificado. 
 
Como você vê o papel da universidade nesse lugar de pensar um projeto de país?
 
Acho que tem que fazer isso mesmo. O problema da universidade, é que ela também está sendo esvaziada. O debate está sendo esvaziada, a universidade esta sofrendo com a situação de falta de verbas. É uma pressão muito forte, no Centro de Pesquisas, somos pressionados cada vez mais a assumir tarefas administrativas, por conta da redução da área de apoio funcional, e tem uma cobrança produtivista, acadêmica, que eu acho que é absurda, principalmente para a área de Humanas. Eu vejo que também na academia, temos patinado por conta dessa crise estrutural. Mas, por outro lado, uns dizem que no caos, saem as soluções. Pode ser (risos) nessa situação de caos, a gente pode pensar, quem sabe sai uma coisa nova? Espero que não seja um novo "à la"  Salvador da Pátria, que é perigoso, (risos).