Entidades científicas repudiam demissões de professores e ataques ao sistema de ensino superior público
O ano de 2017 pode terminar com cerca de 400 professores de ensino superior demitidos em pelo menos cinco faculdades privadas de São Paulo. As demissões mais significativas devem ocorrer na Estácio, que pretende demitir 196 docentes, na Universidade Presbiteriana Mackenzie, que pode demitir 80 profissionais, na Morumbi Anhembi cerca de 150 e na Universidade Metodista, que já dispensou 45 docentes. Entre os demitidos na Metodista estão professores conceituados na área de Comunicação como Dimas Kunsch, Cicilia Peruzzo, José Salvador Faro, Magali Cunha, Marli dos Santos, Sebastião Squirra e Wilson Bueno.
Soma-se ao quadro a crise, a redução dos recursos públicos destinados a Ciência e Tecnologia em 44%, resultando em prejuízos para o andamento de pesquisas em todo o país. E o valor aprovado para o orçamento geral do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), para 2018, é cerca de 19% menor do que o que foi aprovado para 2017 pelo mesmo Congresso.
Num momento marcado pela fragilidade do sistema de ensino, relatório do Banco Mundial divulgado em novembro defendeu a privatização das universidades públicas como uma forma de promover o ajuste fiscal no Brasil, sem “prejudicar os mais pobres”.
O cenário de crise tem sido agravado com as ações de investigação da Polícia Federal em Universidades públicas que resultaram na busca e apreensão de documentos e na condução coercitiva de funcionários e reitores.
As entidades científicas do campo da Comunicação manifestaram-se publicamente contra as medidas. Abaixo destacamos os principais trechos de notas de repúdio divulgadas em dezembro:
Socicom
A Federação Brasileira de Associações Acadêmicas e Científicas de Comunicação (SOCICOM) vê com bastante preocupação o desmonte atual do ensino superior no Brasil que culminou, mais recentemente, tanto em cortes de verbas, não pagamentos de salários, interrupções de bolsas de estudos e pesquisas, extinção de programas de pós-graduação e ações arbitrárias e excessivas da Polícia Federal nas Universidades Estaduais e Federais, quanto na demissão em massa, muitas vezes pautadas de divergências ideológicas, de professores da graduação e da pós-graduação em diversas Instituições privadas.
Sabemos todos da importância do ensino superior e do papel das Universidades, não somente na formação de mão de obra qualificada e produção científica e tecnológica, mas na formação cidadã e democrática, o que pressupõe a existência de instituições sólidas, plurais e cônscias do papel social de suas atividades. Sabemos também o quanto tal projeto depende tanto de investimentos públicos e privados e de políticas educacionais e científicas inclusivas compatíveis com um projeto de nação que se almeja, como de gestões que não se deixem levar pelas intempéries políticas e mercantis.
A SOCICOM, ao tempo em que repudia e clama pelo fim e reversão de tais fatos, ratifica sua luta pela preservação dos direitos constitucionais – inclusive os trabalhistas – e por um ensino de qualidade, plural, democrático e inclusivo.
Intercom
“Os eventos não são isolados. Juntam-se a eles os cortes de verbas das instituições e a nota oficial do Banco Mundial a favor da privatização das universidades públicas. Além disso, houve a recente demissão de milhares de professores de instituições particulares, concebida a partir de uma reforma trabalhista gestada para suprimir direitos dos trabalhadores e de uma internacionalização do ensino superior privado que visa a construção de um oligopólio na área.
A Intercom condena as ações violentas da Polícia Federal e o desmonte do ensino universitário gratuito promovido por grupos políticos que se apropriaram do governo brasileiro. O mesmo governo que comanda a polícia, congela gastos públicos e favorece os oligopólios internacionais, cuja preocupação com o lucro exclui investimentos na pesquisa e na extensão.
A entidade também manifesta sua indignação contra o sequestro semântico de um símbolo de cidadania de tantos brasileiros que lutaram pela anistia e deram a vida pela democracia. Brasileiros que partiram no rabo de foguete da ditadura e voltaram com o irmão do Henfil. Brasileiros que não merecem a violência de um governo que se equilibra em um viaduto cujas pilastras já foram corroídas pelo descaso com a educação”.
Ulepic
Já não há papel para tanto manifesto! É preciso tratar destes casos todos juntos porque, ainda entendendo as particularidades que possam demarcá-los individualmente, é o contexto geral – em que a pesquisa e a educação estão na alça de mira de gigantes internacionais que comandam o setor educacional a ponto de duas empresas possuírem mais de 80% das faculdades do Brasil, tendo por ora a sua fusão proibida por decisão recente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – que deve ser enfatizado.
A reforma trabalhista recém implantada, cujos resultados já começam a se fazer sentir, o projeto de reforma da previdência social, ou a malfadada lei do gasto público aprovada no início da gestão Temer, introduzindo no texto constitucional regras de ajuste fiscal que representam um experimento neoliberal inédito em nível mundial, ameaçam ampliar a níveis insuportáveis a violência e a exclusão neste país que já é o mais violento e excludente do mundo. Tudo isso faz parte de um movimento que, entre outras coisas, busca a mercantilização de bens e serviços essenciais, visando – sem resultados animadores até o momento – salvar o capitalismo da sua própria crise, oferecendo ao mundo sempre mais capitalismo.
(...)
O ataque hoje se volta especialmente contra a Universidade e o ensino em geral. A proposta defendida pelo Banco Mundial de privatização do ensino superior é radical, mas não surpreendente. As recomendações do banco contrárias às soluções propostas pela maioria dos educadores, baseados em conhecimento científico e experiência pedagógica construídos ao longo de décadas de dedicação e estudo, são velhas conhecidas. A divulgação pela mídia hegemônica dessa proposta oportunista, num momento de fragilidade política nacional demonstra a sua posição contrária aos interesses do povo brasileiro. Seguem, assim, a mesma estratégia de controle da informação e de censura das vozes discordantes utilizada no caso da propaganda massiva pelas maléficas reformas da previdência, trabalhista e de limite dos gastos primários, afetando os sistemas de saúde e educação. Nessas condições, o campo da comunicação torna-se elemento absolutamente central nas disputas políticas que os trabalhadores, os intelectuais e os cientistas estão sendo obrigados a assumir hoje.
SBPJor
“No plano do ensino público, a SBPJor repudia as medidas coercitivas cautelares que têm sido tomadas pela Polícia Federal contra funcionários de universidades públicas, como a UFMG, sem que os envolvidos tenham se negado a depor.
Repudia a mesma força ostensiva exercida previamente pela PF no caso do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, que se suicidou após ter sido levado à prisão.
Ligada a essa esfera, repudia a nota oficial do Banco Mundial a favor da privatização das universidades públicas brasileiras.
No plano do ensino privado, a SBPJor manifesta sua solidariedade aos pesquisadores das universidades, como a UMESP, que está tendo o seu programa de 40 anos de pós-graduação em Comunicação desmantelado por meio de demissão sumária e sem diálogo de pesquisadores com décadas dedicadas à instituição.
Compós
A Diretoria da Compós manifesta seu repudio o que está acontecendo com o Programa de Pós-Graduação da Universidade Metodista em São Bernardo do Campo e se solidariza com os docentes demitidos (...) . A interrupção abrupta e irracional das pesquisas em andamento mostra um completo desprezo ao trabalho acadêmico e ao exercício da docência em nosso país. É um quadro que envolve uma aguda mercantilização das instituições de ensino superior privadas, a redução substancial dos recursos aplicados em Ciência e Tecnologia e ameaças de privatização do ensino superior público no Brasil.
Causa-nos indignação o inaceitável aniquilamento do PPGCOM da Metodista. Trata-se de um programa com quase quarenta anos de história, cerca de 600 dissertações e 150 teses defendidas, responsável pela formação e inserção de incontáveis quadros docentes em instituições pertencentes ao Sistema Nacional de Pós-Graduação. O que acontece com a Metodista parece apontar para o ambiente de incerteza e prenuncia o enfrentamento que teremos com o modelo neoliberal de universidade esboçado em documento do Banco Mundial. Por todo o exposto, é importante ficarmos atentos e solidários com o drama vivido por nossos pares.
ABEJ
A Abej vem denunciando há tempos este cenário de desmonte e de descompromisso com a formação superior em jornalismo. No início deste ano, por exemplo, após reunião com representantes do Inep/Mec, apontamos os riscos que o avanço do modelo de Educação à Distância (EAD) representa para a adequada qualificação acadêmica e profissional dos jornalistas, com graves consequências para este campo do conhecimento e para uma sociedade carente do serviço de informação competente e ético.
(...)
Diante desta situação, resta-nos continuar resistindo às iniciativas que visam precarizar a formação acadêmica e permanecer na luta por um ensino superior de jornalismo que dê condições de formar profissionais críticos, humanos e comprometidos com os ideais de liberdade e democracia.