Nº51 - MAIO DE 2018

Destaques

Nove associações científicas da comunicação denunciam situação do país em fóruns internacionais

 

Em carta aberta escrita em inglês, associações científicas da comunicação fazem uma análise da conjuntura nacional, manifestando preocupação fatos graves como o assassinato da vereadora Marielle Franco, o crescimento da violência, a guinada conservadora da política e o corte de investimento públicos para ensino, ciência e tecnologia. O documento será lido em fóruns internacionais realizados este ano como IAMCR, ALAIC e Lusocom. Além disso, a carta foi enviada aos presidentes de associações internacionais. Ao receber o documento, Dariel Mena Méndez, presidente da Red Internacional de Historiógrafos de la Comunicación (RIHC), solidarizou-se com os brasileiros e manifestou preocupação com os acontecimentos dos últimos meses.

 

Leia a carta na íntegra:

 

Prezados colegas,

 

Nós, presidentes de entidades acadêmicas e científicas brasileiras do campo da Comunicação temos acompanhado com bastante preocupação os fatos que têm marcado de forma indelével e traumática a história recente de nosso país. É bastante significativo o fato de o ano em que o Brasil comemora 30 anos de aprovação  de seu mais recente pacto federativo, a Constituição Federal promulgada em 1988, conhecida como “Constituição Cidadã”, ter seu início marcado com um fato de extrema gravidade: o bárbaro assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes.

Tais fatos não configuram uma exceção ou, como quer fazer crer a mídia hegemônica, mais um assassinato entre tantos outros que vítima todos os anos centenas de jovens negros, mulheres e favelados no Brasil e em especial no Rio de Janeiro.  Os indícios de um crime político, contra uma pessoa que representava como ninguém a luta pelos direitos dos menos favorecidos e pela liberdade de expressão são evidentes e, para além da necessária e urgente apuração e punição de seus responsáveis  demandam reflexão sobre as forças que prepararam o clima social e as condições de abandono e impunidade que permitiram que o gatilho fosse disparado.

Vivemos, em escala mundial, um momento de encolhimento e desrespeito aos mais diversos direitos e seguranças pactuadas  há mais de 70 anos, em especial as que se referem ao mundo do trabalho. Fato esse agravado em países como o Brasil, onde a não observância e precariedade com que tais direitos foram implementados deixam nossa sociedade  ainda mais desamparada. Assim, ainda que as causas mais profundas desta guinada conservadora e ataques aos direitos constituídos devam ser buscadas no grande rearranjo geopolítico e econômico em curso e no papel a ser ocupado pela América Latina e Brasil nesse novo cenário, os rumos assumidos por nossa história recente  são bastante preocupantes.

O governo do presidente Michel Temer que, como sabemos, foi constituído a partir de uma “exceção”, vêm, em nome de uma questionável saúde financeira do país, não somente desrespeitando um conjunto de conquistas históricas, mas igualmente comprometendo, de maneira dificilmente reversível, como alertam vários especialistas, o futuro de nossa população.

Como exemplo, citamos dois setores sensíveis ao nosso campo:  os investimentos em Ciência, Tecnologia e Inovação(CTI) e as ações em relação ao ensino superior. Na contramão da tendência mundial em se aumentar a parcela do PIB destinada à Ciência e Tecnologia, e premidos por uma  emenda constitucional (EC95) aprovada em 2016, que limita por 20 anos os gastos primários, inclusive em setores essenciais, sucessivos cortes orçamentários e contingenciamentos em órgãos responsáveis pela gestão, financiamento e edição de políticas públicas para as Ciências e Tecnologias  vem pondo em risco centros, programas e projetos de pesquisa.

Como “solução” para  carência de investimentos públicos preconiza-se a ampliação das “parcerias público-privado(PPP), quer por meio de um polêmico “fundo privado de investimento em pesquisa”, quer por uma “flexibilização” dos regimes de trabalho que permite ao professor-pesquisador de instituições públicas,  contratados em regime de dedicação integral ao ensino e pesquisa, dispor de até 8 horas de trabalho semanais para o desenvolvimento de projetos e pesquisas em parcerias com empresas privadas. Ainda que tais mecanismos possam ser entendidos como estratégias de captação de recursos e criação de um ambiente – legal e institucional – que propicie o desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação  no país, se desvinculados de uma sólida política que não somente se resguarde do perigo de ingerências privadas descabidas, mas também diminua as assimetrias já hoje existentes entre as áreas de conhecimento, em especial a pesquisa básica e as humanidades, correm o risco de dificultar ainda mais a conquista da autonomia nacional em setores considerados estratégico

Sérios  e graves são igualmente os acontecimentos recentes observados no ensino superior em nosso país. Além de um programado sucateamento, com o não investimento em infraestrutura e em pessoal, apoio didático e à pesquisa e encolhimento das  políticas de permanência estudantil das universidades federais e estaduais, vimos nos últimos meses a gestão coercitiva aí se instalar. Tanto por meio da ação exacerbada da Polícia Federal em duas das mais conceituadas universidades federais do país, quanto na ação de uma promotora de justiça de São Paulo intimando a depor, por “apologia ao crime”, um dos mais conceituados pesquisadores e especialista em entorpecentes, o professor da Universidade Federal de São Paulo, Elisaldo Carlini.

O ensino superior privado, beneficiado por uma legislação que permite a formação  de grandes monopólios que comandam mais de 80% das faculdades no país, e pela recente reforma trabalhista francamente favorável ao capital privado promoveu, em dezembro de 2017, a demissão em massa de professores e pesquisadores comprometendo, mais uma vez, a formação integral e de qualidade que deveriam pautar o oferecimento de tais serviços.

Não fossem esses exemplos relatados o suficientemente graves, 2018, ano de eleições gerais, marca uma nítida mudança de rumo da agenda governamental, com a intensificação da gestão militarizada. Tendo os governos federal, estadual e municipal  falhado em sua capacidade de fornecer os serviços sociais básicos à população da cidade do Rio de Janeiro, esta se torna o laboratório de uma espetacularizada intervenção federal/militar, reforçada pela criação do Ministério da Segurança Pública. Como resultado, a cidade se tornou palco não somente do brutal assassinato de Marielle como de vários outros homicídios e intensificação de disputas territoriais entre os narcotraficantes e milícias.

            A onda de protestos que se seguiu ao assassinato da vereadora e de seu motorista indica, pois,  a revolta da população brasileira não somente em relação à violência urbana e liberdade de expressão, mas a todo um processo que vem ceifando essa população de uma série de direitos, inclusive do direito fundamental à vida, e contra o abandono das políticas sociais básicas.

 

Alessandra Meleiro – Presidente do Forum Brasileiro de Ensino do Cinema e Audiovisual(FORCINE)

Ana Regina Rego – Presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor)

Cesar Bolaño – Presidente da União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura, capítulo Brasil (ULEPICC – Brasil)

Giovandro Ferreira – Presidente da Sociedade Brasileira dos Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM)

Ismar de Oliveira Soares – Presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais em Educomunicação (ABPEducom)

Marcelo Bronosky – Presidente da Associação Brasileira de Ensino de Jornalismo do Fórum Nacional de Professores de Jornalismo (ABEJ/FNPJ)

Monica Martinez – Presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor)

Ruy Sardinha Lopes – Presidente da Federação Brasileira das Associações Acadêmicas e Científicas da Comunicação (SOCICOM)

Sebastião Squirra – Presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura (ABCIBER)

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Nove associações científicas da comunicação denunciam situação do país em fóruns internacionais

 

Em carta aberta escrita em inglês, associações científicas da comunicação fazem uma análise da conjuntura nacional, manifestando preocupação fatos graves como o assassinato da vereadora Marielle Franco, o crescimento da violência, a guinada conservadora da política e o corte de investimento públicos para ensino, ciência e tecnologia. O documento será lido em fóruns internacionais realizados este ano como IAMCR, ALAIC e Lusocom. Além disso, a carta foi enviada aos presidentes de associações internacionais. Ao receber o documento, Dariel Mena Méndez, presidente da Red Internacional de Historiógrafos de la Comunicación (RIHC), solidarizou-se com os brasileiros e manifestou preocupação com os acontecimentos dos últimos meses.

 

Leia a carta na íntegra:

 

Prezados colegas,

 

Nós, presidentes de entidades acadêmicas e científicas brasileiras do campo da Comunicação temos acompanhado com bastante preocupação os fatos que têm marcado de forma indelével e traumática a história recente de nosso país. É bastante significativo o fato de o ano em que o Brasil comemora 30 anos de aprovação  de seu mais recente pacto federativo, a Constituição Federal promulgada em 1988, conhecida como “Constituição Cidadã”, ter seu início marcado com um fato de extrema gravidade: o bárbaro assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes.

Tais fatos não configuram uma exceção ou, como quer fazer crer a mídia hegemônica, mais um assassinato entre tantos outros que vítima todos os anos centenas de jovens negros, mulheres e favelados no Brasil e em especial no Rio de Janeiro.  Os indícios de um crime político, contra uma pessoa que representava como ninguém a luta pelos direitos dos menos favorecidos e pela liberdade de expressão são evidentes e, para além da necessária e urgente apuração e punição de seus responsáveis  demandam reflexão sobre as forças que prepararam o clima social e as condições de abandono e impunidade que permitiram que o gatilho fosse disparado.

Vivemos, em escala mundial, um momento de encolhimento e desrespeito aos mais diversos direitos e seguranças pactuadas  há mais de 70 anos, em especial as que se referem ao mundo do trabalho. Fato esse agravado em países como o Brasil, onde a não observância e precariedade com que tais direitos foram implementados deixam nossa sociedade  ainda mais desamparada. Assim, ainda que as causas mais profundas desta guinada conservadora e ataques aos direitos constituídos devam ser buscadas no grande rearranjo geopolítico e econômico em curso e no papel a ser ocupado pela América Latina e Brasil nesse novo cenário, os rumos assumidos por nossa história recente  são bastante preocupantes.

O governo do presidente Michel Temer que, como sabemos, foi constituído a partir de uma “exceção”, vêm, em nome de uma questionável saúde financeira do país, não somente desrespeitando um conjunto de conquistas históricas, mas igualmente comprometendo, de maneira dificilmente reversível, como alertam vários especialistas, o futuro de nossa população.

Como exemplo, citamos dois setores sensíveis ao nosso campo:  os investimentos em Ciência, Tecnologia e Inovação(CTI) e as ações em relação ao ensino superior. Na contramão da tendência mundial em se aumentar a parcela do PIB destinada à Ciência e Tecnologia, e premidos por uma  emenda constitucional (EC95) aprovada em 2016, que limita por 20 anos os gastos primários, inclusive em setores essenciais, sucessivos cortes orçamentários e contingenciamentos em órgãos responsáveis pela gestão, financiamento e edição de políticas públicas para as Ciências e Tecnologias  vem pondo em risco centros, programas e projetos de pesquisa.

Como “solução” para  carência de investimentos públicos preconiza-se a ampliação das “parcerias público-privado(PPP), quer por meio de um polêmico “fundo privado de investimento em pesquisa”, quer por uma “flexibilização” dos regimes de trabalho que permite ao professor-pesquisador de instituições públicas,  contratados em regime de dedicação integral ao ensino e pesquisa, dispor de até 8 horas de trabalho semanais para o desenvolvimento de projetos e pesquisas em parcerias com empresas privadas. Ainda que tais mecanismos possam ser entendidos como estratégias de captação de recursos e criação de um ambiente – legal e institucional – que propicie o desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação  no país, se desvinculados de uma sólida política que não somente se resguarde do perigo de ingerências privadas descabidas, mas também diminua as assimetrias já hoje existentes entre as áreas de conhecimento, em especial a pesquisa básica e as humanidades, correm o risco de dificultar ainda mais a conquista da autonomia nacional em setores considerados estratégico

Sérios  e graves são igualmente os acontecimentos recentes observados no ensino superior em nosso país. Além de um programado sucateamento, com o não investimento em infraestrutura e em pessoal, apoio didático e à pesquisa e encolhimento das  políticas de permanência estudantil das universidades federais e estaduais, vimos nos últimos meses a gestão coercitiva aí se instalar. Tanto por meio da ação exacerbada da Polícia Federal em duas das mais conceituadas universidades federais do país, quanto na ação de uma promotora de justiça de São Paulo intimando a depor, por “apologia ao crime”, um dos mais conceituados pesquisadores e especialista em entorpecentes, o professor da Universidade Federal de São Paulo, Elisaldo Carlini.

O ensino superior privado, beneficiado por uma legislação que permite a formação  de grandes monopólios que comandam mais de 80% das faculdades no país, e pela recente reforma trabalhista francamente favorável ao capital privado promoveu, em dezembro de 2017, a demissão em massa de professores e pesquisadores comprometendo, mais uma vez, a formação integral e de qualidade que deveriam pautar o oferecimento de tais serviços.

Não fossem esses exemplos relatados o suficientemente graves, 2018, ano de eleições gerais, marca uma nítida mudança de rumo da agenda governamental, com a intensificação da gestão militarizada. Tendo os governos federal, estadual e municipal  falhado em sua capacidade de fornecer os serviços sociais básicos à população da cidade do Rio de Janeiro, esta se torna o laboratório de uma espetacularizada intervenção federal/militar, reforçada pela criação do Ministério da Segurança Pública. Como resultado, a cidade se tornou palco não somente do brutal assassinato de Marielle como de vários outros homicídios e intensificação de disputas territoriais entre os narcotraficantes e milícias.

            A onda de protestos que se seguiu ao assassinato da vereadora e de seu motorista indica, pois,  a revolta da população brasileira não somente em relação à violência urbana e liberdade de expressão, mas a todo um processo que vem ceifando essa população de uma série de direitos, inclusive do direito fundamental à vida, e contra o abandono das políticas sociais básicas.

 

Alessandra Meleiro – Presidente do Forum Brasileiro de Ensino do Cinema e Audiovisual(FORCINE)

Ana Regina Rego – Presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor)

Cesar Bolaño – Presidente da União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura, capítulo Brasil (ULEPICC – Brasil)

Giovandro Ferreira – Presidente da Sociedade Brasileira dos Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM)

Ismar de Oliveira Soares – Presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais em Educomunicação (ABPEducom)

Marcelo Bronosky – Presidente da Associação Brasileira de Ensino de Jornalismo do Fórum Nacional de Professores de Jornalismo (ABEJ/FNPJ)

Monica Martinez – Presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor)

Ruy Sardinha Lopes – Presidente da Federação Brasileira das Associações Acadêmicas e Científicas da Comunicação (SOCICOM)

Sebastião Squirra – Presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura (ABCIBER)